A embaixadora dos EUA, Nina Maria Fite, deu uma entrevista à RNA (do MPLA) no passado dia 2 mas só foi transmitida ontem, dia 19, e hoje mereceu manchete do Jornal de Angola (do MPLA). Foi uma, mais uma, manipulação aberrante do MPLA que manteve a entrevista em carteira para tentar, agora, minimizar os estragos do relatório da consultora Pangea Risk que revelou que o Presidente João Lourenço e outros altos dirigentes estavam a ser investigados nos EUA.
Como o Folha 8 revelou no dia 16, um relatório da consultora Pangea Risk diz que vários dirigentes do MPLA (coisa estranha, não é?), incluindo o seu Presidente (também Presidente da República), João Lourenço, estão a ser investigados nos Estados Unidos da América, o que pode comprometer o financiamento multilateral e restruturação da dívida do país.
O documento citado pelo jornal português “Expresso”, datado de 15 de Fevereiro, indica que o novo Presidente dos EUA, Joe Biden, vai dar novo fôlego às investigações, que envolvem João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e vários parceiros de negócios e empresas.
Segundo a Pangea Risk (ex-Exx Africa, consultora especializada em análise de gestão de risco em África e no Médio Oriente), os procuradores norte-americanos têm recolhido ao longo do último ano várias provas de violação das leis e regulamentos dos EUA.
Desde que chegou ao poder, em 2017, João Lourenço lançou uma intensa campanha de propaganda tendo como fulcro a luta contra a corrupção e que muitos consideram visar essencialmente a família do seu antecessor e mentor, José Eduardo dos Santos, sobretudo a filha, Isabel dos Santos, alvo de vários processos que correm os seus trâmites em Portugal e Angola.
A consultora adianta que este posicionamento ajudou Angola a beneficiar de um reforço do programa de assistência do Fundo Monetário Internacional (FMI), bem como facilidades de crédito e apoio de vários parceiros internacionais.
Por outro lado, Angola tornou-se elegível para receber mais de 2,6 mil milhões de dólares (2,14 mil milhões de euros) no âmbito do alívio do serviço de dívida previsto na Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), que o país negociou com os credores internacionais, o que representa 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) angolano e um terço do “alívio” para África.
“Esta boa vontade, que tem sido demonstrada pelos parceiros internacionais de Angola, os últimos três anos, pode desvanecer-se rapidamente à medida que forem sendo divulgadas novas alegações de corrupção estatal e fraude envolvendo o actual governo”, refere o documento.
A Pangea indica que os EUA estão a investigar João Lourenço e membros da sua família por uma série de alegadas violações da legislação sobre práticas de corrupção no estrangeiro (FCPA), transacções bancárias ilegais, fraude bancária para compra de propriedades nos EUA e tentativa de defraudar o Departamento de Justiça norte-americano.
No relatório, a consultora diz que as supostas práticas de fraude, corrupção e peculato “deverão ter impacto nos investidores estrangeiros em Angola e frustrar as relações do país com doadores e credores nos próximos meses”.
Entre as investigações em curso destacam-se alegações de pagamentos de subornos e comissões ilegais pagas pela brasileira Odebrecht a empresas detidas por João Lourenço, à sua mulher e aos seus parceiros de negócios mais próximos, bem como alegadas transacções suspeitas e fraudulentas feitas por outras companhias controladas pelo Presidente, como a Simportex, ligada ao Ministério da Defesa, bancos e empresas de construção.
Registe-se a violação de todos os princípios jornalísticos a que se prestaram os jornalistas (provavelmente já detentores de Carteira Profissional) da RNA e do Jornal de Angola.
A Pangea Risk aponta também o envolvimento com a empresa de `lobbying` e relações públicas Squire Patton Boggs, a quem terão sido pagos 1.042 milhões de dólares (856 milhões de euros), parte dos quais direccionados para a ERME Capital, sediada em Malta, gerida por Pedro Pinto Ferreira e Maria Mergner, amigos do ex-presidente Manuel Vicente, que a consultora diz ser “um aliado próximo do Presidente Lourenço e rival político e empresarial de Isabel dos Santos”.
A Pangea afirma que se estas alegações, reveladas pela Associated Press, se se provarem, o Governo angolano estaria a violar as regras norte-americanas de contratação de `lobbying`.
Outras alegadas violações em investigação envolvem viagens suspeitas para os Estados Unidos, contratação irregular de `lobbying` e fortuna inexplicada.
“Se os Estados Unidos tiverem jurisdição, as implicações para o Presidente Lourenço, seus familiares e associados serão mais alargadas e graves, incluindo potencial congelamento de activos, proibição de viajar, suspensão de contas bancárias e outras sanções”, refere o relatório.
Segundo a Pangea, a rede que está alegadamente envolvida na apropriação indevida de fundos do Estado angolano em benefício das suas empresas privadas, bem como financiamento da campanha eleitoral do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, partido do poder há 45 anos e membro da Internacional Socialista) inclui empresas como a Gefi (Gestão e Participação Financeiras), “há muito implicada em contratos opacos com o Estado”.
A rede de João Lourenço inclui um círculo próximo de familiares, incluindo a mulher Ana Dias Lourenço — “que controla a agência de comunicação Orion, que ajuda a financiar o partido e o enriquecimento da família – filhas, sobrinhos e sobrinhas, irmãos e irmãs”, adianta o relatório.
Um segundo círculo inclui empresários proeminentes, ministros e responsáveis públicos, e os “conselheiros de maior confiança como o antigo vice-presidente Manuel Vicente, implicado em vários escândalos em Angola e internacionalmente”.
As investigações incidem também sobre empresas como a construtora Omatapalo, que a Pangea diz estar ligada a João Lourenço e que ganhou em 2019 três contratos com o Estado, superiores a 450 milhões de dólares (370 milhões de euros).
“A investigação norte-americana incide sobre adjudicação e contratos opacos no valor de 500 milhões de dólares (410 milhões de euros) em 2020, e recua aos tempos em que João Lourenço exercia o cargo de ministro da Defesa (2014 -2017), tendo aprovado um contrato no valor de 450 milhões de dólares com a Privinvest, empresa no centro do escândalo das dívidas ocultas revelado em Moçambique, através da Simportex.
Os contratos militares opacos envolvem também a ALL2IT, empresa controlada pelos sobrinhos, num negócio financiando pelo Banco Angolano de Investimentos, que tem entre os seus accionistas Lourenço e Vicente.
Em curso nos tribunais norte-americanos está também um processo que envolve a empresa Aenergy e o ministro da Energia, João Batista Borges.
A alegada “fortuna inexplicada” é gerida por bancos controlados pela rede de João Lourenço, como o BAI e o SOL.
Contratos assinados com a Angoprojectos, Sotal e Engetech, nas quais o Presidente e o ministro da Construção e Obras Públicas, Manuel Tavares de Almeida, detêm participações, estão também na mira das autoridades dos EUA.
A Pangea avisa também para o risco reputacional para os investidores de contratos assinados com companhias que oculta, os seus proprietários como a JALC – Consultores e Prestação de Serviços Limitada, Comeng – Engenharia e Construção Civil, Azury e a associada Atenium – Serviços de Consultoria que vão “enfrentar maior escrutínio” e serão foco das investigações.
Um ponto central das investigações é a propriedade que João Lourenço e família detêm em Bethesda, no estado norte-americano de Maryland comprada em 2013. A família terá também casas em Washington DC, Virgínia e Texas, segundo a Pangea, que acrescenta estar a ser investigada a fonte destes rendimentos.
A consultora sublinha que estas investigações podem representar um ponto de viragem nas relações entre EUA e Angola, que melhoraram em anos mais recentes, quando o Governo angolano procurou apoio do FMI e financiadores multilaterais face ao desinteresse chinês.
A Pangea diz que para a nova administração Biden “está cada vez mais claro que a campanha anticorrupção que tem como alvo a família dos Santos apenas encobriram a criação de uma nova rede de clientelismo e apropriação de fundos públicos”.
Aponta ainda os danos reputacionais das manifestações antigovernamentais e consequente repressão policial que também contribuem para a perda de popularidade.